Teoria das perturbações


Quando calculamos a órbita da Terra em torno do Sol, omitimos, de nossas equações, todos os outros planetas. No entanto, a atração de Júpiter, por exemplo, causa pequenas alterações na órbita terrestre. Para fazer uma estimativa dessas pequenas correções, elaborou-se um método, na mecânica celeste, que permitia a utilização, como ponto de partida, da órbita terrestre não perturbada, isto é, calculada omitindo-se Júpiter, calculando-se diretamente as modificações que deviam ser introduzidas na órbita não-perturbada. O aperfeiçoamento dessa técnica levou até mesmo à descoberta de novos planetas (Netuno, por exemplo, “traído” pela perturbação que causava na órbita de Urano).

A mecânica quântica tomou emprestada à mecânica celeste essa ideia, e surgiu assim a teoria das perturbações, que visa, a partir da solução conhecida de certos problemas, obter uma solução aproximada de problemas que, em algum sentido, são próximos ao problema resolvido. A teoria quântica das perturbações, porém, é muito mais simples do que aquela clássica.

Perturbação de estados estacionários

Seja $\hat{H}_0$ um hamiltoniano cujo problema de autovalores já resolvemos. Conhecemos, então, as funções $\psi_{n}^{(0)}$ e os números $E_{n}^{(0)}$ tais que

480

Seja agora $\hat{H}=\hat{H}_{0}+\hat{V}$ um novo hamiltoniano, muito próximo de $\hat{H}_{0}$, no seguinte sentido: todos os elementos de matriz $V_{nm}$, em relação à base formada pelas $\psi_{n}^{(0)}$, são pequenos em relação aos $E_{n}^{(0)}$ Diz-se então que $\hat{V}$ é uma perturbação, que $\hat{H}$ é o hamiltoniano perturbado, e que $\hat{H}_0$ é o hamiltoniano não-perturbado. É intuitivo que, nessas condições, os autovalores de $\hat{H}$ sejam próximos dos de $\hat{H}_{0}$, o mesmo acontecendo para as autofunções. Procuraremos simplificar a determinação das quantidades associadas a $\hat{H}$ utilizando o fato de que elas são correções às quantidades associadas a $\hat{H}_{0}$.

O problema de autovalores de $\hat{H}$ se escreve

481

Como o conjunto dos $\psi_{n}^{(0)}$ é completo, existe a expansão

482

e a Eq.(482) pode ser escrita

483

ou

484

Vamos usar agora a ortonormalidade dos $\psi_{m}^{(0)}$. Multiplicando (483) à esquerda por $\psi_{k}^{(0)*}$ e integrando, temos:

485

Mas

\begin{displaymath}<br /><br /> \int dq \psi_{k}^{(0)*}\hat{H}_{0}\psi_{m}^{(0)}=E_{k}^{(0)}\delta_{km}<br /><br /> \end{displaymath}

e

\begin{displaymath}<br /><br /> \int dq \psi_{k}^{(0)*}\psi_{m}^{(0)}=\delta_{km}<br /><br /> \end{displaymath}

Logo,

486

ou

487

que é uma equação exata! Vamos agora introduzir as aproximações.

Uma condição básica para o que segue é que cada nível perturbado esteja muito próximo de um único nível não-perturbado, de sorte que$\psi_n$ seja muito próximo de $\psi_{n}^{(0)}$, etc. Ou seja,

488

onde os pontos denotam termos muito menores. Na expansão

489

teremos então

490
com $c_{nm}^{(1)} \ll 1$. Ao mesmo tempo, escreveremos
491
com $\frac{E_{n}^{(1)}}{E_{n}^{(0)}} \ll 1 \;.$

Usando (491) e (492) na Eq.(488), temos

492

Tomemos $n \neq k$. A Eq.(493), dá:

493

ou

494

Tomando $n=k$ na Eq.(493), obtemos

495

ou

496

O primeiro resultado importante é este: a primeira correção ao autovalor não perturbado $E_{n}^{(0)}$, é o valor médio do potencial perturbado, $V_{nn}$, na função de onda não perturbada correspondente àquele valor de $n$.

A construção da função de onda perturbada ainda não é possível, pois temos apenas os $c_{nk}^{(1)}$ para $n \neq k$. Falta determinar $c_{nn}^{(1)}$. Veremos agora que $c_{nn}^{(1)}$ pode ser tomado igual a zero. De fato, temos

487

ou, usando os resultados já obtidos,

1

ou

499

Impondo que $\psi_{n}$ seja normalizada a menos de termos de segunda ordem, temos

\begin{eqnarray*}<br /><br /> & & \int dq \psi_{n}^*(q)\psi_{n}(q)=\\<br /><br /> & & \int dq \left\...<br /><br /> ...{(0)}\\<br /><br /> & = & 1 + \left(c_{nn}^{(1)*}+c_{nn}^{(1)}\right) = 1<br /><br /> \end{eqnarray*}

Logo,

500

ou

501

onde $\alpha$ é um número real. Assim, o primeiro termo de (500) é

502

que, nesta ordem, é indistinguível de

503

Ou seja, o termo $c_{nn}^{(1)}$ só contribui para uma mudança de fase de $\psi_{n}^{(0)}$, que, de qualquer forma, é definido a menos de uma fase. Logo, podemos legitimamente por $c_{nn}^{(1)}=0$. Os resultados então são, até primeira ordem24,

2

Exemplo trivial: Oscilador Harmônico com perturbação linear

Seja $\hat{H}_{0}=\vec{p}^2/(2m)$ o hamiltoniano não-perturbado, e

\begin{displaymath}<br /><br /> \hat{H}=\frac{\vec{p}^2}{2m}+ 1/2(k+\Delta k)x^2<br /><br /> \end{displaymath}

o hamiltoniano perturbado. Neste caso o problema de autovalores de $\hat{H}$, o hamiltoniano perturbado, pode ser resolvido exatamente, pois é essencialmente igual a $\hat{H}_0$, com um diferente valor de $k$. De fato, seus autovalores são

506

com

507

É feita, adicionalmente, a hipótese de que

\begin{displaymath}<br /><br /> \frac{\Delta k}{k} \ll 1<br /><br /> \end{displaymath}

de maneira que

508

onde usamos o resultado de Newton (sim, Sir Isaac!):

509

para $\vert x\vert \ll 1$.

Logo, podemos escrever

510

e, portanto,

511

e, finalmente, lembrando que $E_{n}^{(0)}=\hbar(n+1/2)$,

512

Para o estado fundamental,

513

Vaos agora obter este mesmo resultado usando o formalismo perturbativo 25. Na notação perturbativa, temos, para o estado fundamental de $\hat{H}_0$,

514

e

515

Temos

516

Logo,

517

que coincide com (514).

Correções de segunda ordem

Voltemos à Eq.(488):

518

e escrevamos a expansão de $\psi_{n}$ nas funções de onda não-perturbadas até segunda ordem:

519

Analogamente, para as correções à energia , teremos:

520

Usando (520) e (521) em (519), temos

3

Igualando os termos de ordem zero:

522

Igualando os de ordem um:

523

E os de ordem 2:

524

As relações de ordem zero e um já foram exploradas. Vamos às de ordem 2. Para $n=k$, temos, lembrando que $c_{nn}^{(1)}=0$,

525

ou

526

e, lembrando que $V_{nm}=V_{mn}^*$,

527


FONTE: ©INSTITUTO DE FÍSICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – IF USP

Créditos: ©Henrique Fleming

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